Jardim dos 18 Arhats

 

A entrada do templo, postados num belo jardim encontram-se os dezoito Arhats; monges iluminados que perceberam as verdades do “não eu” e de que tudo é fruto da mera combinação dos Cinco Agregados (forma, sensação, percepção, ação [volitiva da mente] e consciência) agregados estes dependentes de outros fenômenos essencialmente vazios e sujeitos à impermanência.

 

Tendo erradicado todas as paixões, desejos e apegos às coisas do mundo, cada um é especialmente singular em sua disciplina. Os Arhats superaram as máculas da ganância, da raiva e da ignorância. Seus singulares modos de praticar o “Caminho do Bodisatva” têm sido inspiração para incontáveis seguidores budistas desde o tempo do Buda Shakyamuni.

 

O título Arhat (merecedor, honrado, digno, valioso), identifica aquele que seguiu o Nobre Caminho Óctuplo e alcançou a libertação da existência ilusória neste mundo. Ele atingiu “a outra margem” estando liberto para sempre. Nele, os últimos grilhões – inquietude e ignorância, resíduos do apego e de autoilusão – estão anulados, não estando mais sujeito aos renascimentos e à Lei do Carma.

 

A diferença entre um Arhat e um Buda é que o Buda alcança a iluminação por si mesmo, enquanto o Arhat atinge-a por seguir os ensinamentos de outrem. Entretanto, o Buda é também invocado por este nome.

 

Diz a tradição que o Buda, quando estava para entrar em seu parinirvana (a morte no mundo físico), incumbiu dezesseis destacados Arhats, dentre um grupo de mais de quinhentos, para que cuidassem de seus ensinamentos. O Buda pediu a estes “santos habitantes das florestas” para receberem as oferendas que os leigos lhes fizessem a fim de que todo doador pudesse, com isso, obter méritos. A tradição conta que, para satisfazer este pedido do Buda, os Arhats, por meio de seus poderes sobrenaturais, prolongaram assuas vidas, permanecendo perenemente acessíveis aos doadores.

 

Tradicionalmente apenas dezesseis deles eram comumente retratados, porém na China, durante a Dinastia Tang, mais dois foram incorporados a este grupo, embora haja citações de cinco possíveis pares de nomes para compor o grupo dos dezoito Arhats.

 

Há ainda referência a um grande número de Arhats, encontradano cânone budista, que relata a participação de quinhentos iluminados no Primeiro Concílio de Rajagrha na Índia, logo após a morte do Buda. Os Arhats são extremamente respeitados por sua grande sabedoria, coragem e por seus poderes sobrenaturais. Devido às suas habilidades em repelir o mal, tornaram-se admirados como os guardiões dos templos, que na sua entrada, posicionam dezoito deles em atenta vigilância e com aparência de vencedores indomáveis.

 

É dito que as primeiras imagens dos dezoito Arhats foram pintadas pelo monge budista Guanxiu no ano de 891. Este monge viveu, onde hoje se localiza a Província de Sichuan. Ele era um exímio pintor, calígrafo e poeta. Por sua habilidade artística, os Arhats o teriam escolhido para que os retratassem, sendo-lhe isto manifestado em sonho.

 

Desde então, artistas chineses (pintores, escultores ou ceramistas) têm procurado dar vida a essas importantes e fabulosas figuras, geralmente inspirados nas representações pintadas por Guanxiu. As admiráveis qualidades dos Arhats são relatadas em inumeráveis lendas onde os artistas vão buscar as suas inspirações e como cada um tem seu estilo particular, as representações dos Arhats diferem, de Dinastia para Dinastia, e, de lugar para lugar.

 

As imagens dos dezoito Arhats dispostas no jardim são:

1. Pindolabharadvaja  (o Arhat montando um cervo): é o principal dentre os dezoito Arhats e o que mais se destaca em imensuráveis virtudes e sabedoria. Aonde quer que alguém faça uma oferenda, ele certamente irá recebê-la, contribuindo, assim, para que o doador possa obter méritos. Antes de se tornar monge, Bharadvaja ocupava importante posição no reino de Udayana, sendo pressionado pelo rei para não ingressar na vida monástica. A fim de se desvencilhar dessa pressão, embrenhou-se nas montanhas. Certo dia, já monge, reapareceu no palácio montando um cervo quando foi reconhecido pelos soldados como sendo o Bharadvaja. Ele tinha voltado com a intenção de convencer o rei a que também seguisse o Buda. Para isso, Pindolabharadvaja valeu-se de alegorias e de vários ensinamentos, mostrando ao rei quão prejudicial é nos deixarmos levar pelos desejos. Encorajado, o rei abdicou do trono, deixando-o ao príncipe, acompanhando Bharadvaja para também se unir à Sanga.

 

2. Subinda (o Arhat segurando um pagode): foi o último discípulo a ser aceito na Sanga do Buda. Por não ter tido oportunidade de ouvi-Lo por muito tempo, Subinda passou a carregar consigo um pagode (relicário) que, para ele, representava a presença do Mestre. Ele retinha profundamente na memória os ensinamentos do Buda e inspirava a todos a que cultivassem virtudes. Segurar o pagode representa o alcance da budeidade.

3. Vanavasin  (o Arhat na folha de bananeira): depois de ter renunciado à vida comum no mundo, ele meditava, diligentemente, sentando sob uma bananeira, esquecido do ruidoso mundo exterior. Sua mente estava sempre em paz, sem ser perturbada por preocupações.

4. Kanakavatsa (o Arhat bem-humorado): era um destacado mestre de shastras (tratados). Ao ser questionado sobre o que seria a felicidade, respondia que ela era a alegria que surge tanto do contato dos sentidos (da audição, da visão, do olfato, do paladar e do tato) com o mundo exterior como das suas decorrentes sensações. Quando questionado sobre o que seria o contentamento, respondia que ele era a alegria que surgia sem a utilização do ouvido, do olho, da língua, do nariz e do corpo. Sempre que debatia e ensinava, sorria, tornando-se famoso por gostar de analisar a questão da felicidade. Transmitia os ensinamentos do Buda, de acordo com a necessidade e a conveniência de cada um, irradiando para todos a alegria do Darma.

5. Nakula (o Arhat sentado serenamente): foi um vigoroso guerreiro que depois de se tornar monge alcançou o estado de Arhat. O mestre ensinava-o a meditar pedindo-lhe que abandonasse seu caráter belicoso. Seu vigor era percebido não só pelo seu porte, como também pela sua concentração meditativa. Durante a meditação, ficava profunda e plenamente absorto na busca da Verdade. Depois da sua iluminação, se tornou um destacado mestre na transmissão da Darma.

6. Bhadra (o Arhat atravessando o rio): seu nome está relacionado à preciosa árvore Bhadra, considerada na Índia antiga como auspiciosa. Para que se tornasse monge, sua própria mãe o conduziu até a comunidade monástica (Sanga). Foi ele quem levou o budismo para as ilhas do leste asiático. De barco migrou para Java, na Indonésia, levando o Darma (ensinamentos do Buda) sendo, por esta razão, conhecido como o Arhat que atravessa o rio (possivelmente uma alusão a cruzar o oceano). Tal como a libélula que atravessa o rio com suaves toques na superfície da água, Bhadra é sempre majestoso e sereno e assim, ele transcende o ilimitado oceano de sofrimento do samsara.

7. Rahula (o Arhat em profunda contemplação): ainda menino, deixou o lar para se tornar um monge. Na Sanga (comunidade monástica), era o monge mais jovem, o mais destacado na prática da tolerância perante os insultos e o mais perseverante na discreta prática pessoal.

8. Chudapanthaka (o Arhat que aguarda à porta): certa vez, durante as suas rondas de mendicância, por ser abrutalhado, quebrou uma porta quando nela batia, sendo obrigado a repará-la. O Buda deu-lhe, então, um cajado com argolas (que faziam barulho ao serem chacoalhadas) recomendando-lhe que o usasse ao invés de bater às portas. Caso tivesse vínculos com o morador este o atenderia, caso contrário deveria seguir adiante, até a porta da próxima casa.

9. Mahakashyapa ou Nandimitra (o Arhat subjugando o dragão): há duas referências sobre a imagem deste Arhat. Uma delas é que ele seria Mahakashyapa, um dos dez mais destacados discípulos do Buda, que ficou famoso por causa do episódio ocorrido na assembleia do Pico do Abutre; aquele no qual o Buda exibiu uma flor sem nada dizer. Apenas Mahakashyapa sorriu, por ter compreendido que a Verdade aflora na mente e que as palavras nunca podem expressá-la plenamente. Tal episódio é considerado como o desabrochar da Escola Chan (zen) da qual Mahakashyapa é considerado o Primeiro Patriarca. A outra referência diz ser Nandimitra, citado no Nandimitravadana, onde o Buda predisse que oitocentos anos após sua morte, no Sri Lanka, viria a existir um monge iluminado (Nandimitra), que destacaria a importância dos dezesseis Arhats escolhidos pelo Buda. Por esta razão, no budismo chinês, Nandimitra passou a ser reverenciado e incluído no grupo dos primeiros Arhats. Diz a lenda que, certa vez, um malvado naga (espécie de serpente aquática) teria inundado a cidade de Nagarahara, na antiga Índia, a fim de levar as preciosidades dos templos para o fundo do mar, as quais só poderiam ser resgatadas por um monge iluminado. Esta lenda explicaria o Arhat domando o dragão.

10. Ajita (o Arhat de longas sobrancelhas): Em sua vida anterior, dedicava-se à pratica religiosa sem, contudo, ter alcançado o fruto da iluminação e morreu tão velho que tinha longas e brancas sobrancelhas. Diz a lenda que ele, na época do Buda, já nascera com longas sobrancelhas e que seu pai, tendo ouvido alguém dizer que ele tinha a aparência de um Buda, o teria levado para a Sanga e que naquela vida como monge, atingira o estado de Arhat.

11. Vajraputra (o Arhat persuasivo): foi um caçador que, depois de ter aprendido os ensinamentos do Buda, deixou de matar por respeito à vida. Devido a sua verdadeira e profunda prática dos ensinamentos, alcançou o estado de Arhat. Diz a tradição que um leãozinho sentindo toda a sua compaixão, dele se aproximou para lhe agradecer por ter abandonado a vida de caçador ao seguir os passos do Buda. O leão, por seu forte rugido, representa a força do Darma. Ao ensinar, Vajraputra persuadia os demais a cultivar a budeidade, dando igual importância à prática e à compreensão dos ensinamentos.

12. Panthaka (o Arhat erguendo os braços): devido ao seu gesto habitual de levantar os braços para se alongar após a meditação, Panthaka ficou conhecido como o Arhat que levantava os braços.

13. Jivaka (o Arhat expondo o coração): ao abrir o próprio peito exibindo o coração, Jivaka revelava aos seres sencientes que, se pudessem manter a pureza do coração (mente), abstendo-se do mal e trabalhando arduamente na prática do bem, não seriam diferentes do Buda e o seu coração (mente) seria o coração de um Buda.

14. Nagasena (o Arhat limpando o ouvido): seu nome, composto das palavras “naga” (dragão mitológico) e “sena” (exército), significa “batalhão de dragões” transmitindo a ideia da força e dos poderes do Darma. Nagasena é célebre devido aos seus discursos sobre a purificação do sentido da audição, sendo esta sua prática (não dar ouvidos à mentira, difamações, insultos, bajulações, fofocas, etc), a mais destacada.

15. Angaja (o Arhat carregando um saco): desprendendo-se de todas as preocupações, Angaja não se deixava influenciar por fama, posse, perda, ruína ou qualquer outro agente externo. Ele era compassivo e adaptável, independentemente de quais fossem os eventos ou ruídos, do mundo exterior. Alegre, ele sempre estava leve como o saco que carregava às costas. Conta-se que Angaja capturava serpentes, carregando-as em um saco para soltá-las nas montanhas mais remotas, a fim de que não ferissem ninguém.

16. Maitreya (o Arhat subjugando o tigre): ele progrediu no cultivo da sabedoria e da compaixão, vindo finalmente a superar o tigre feroz que habitava seu interior (os desejos, a cobiça, a raiva e o ódio existentes na mente). Diz-se que Maitreya foi um nobre general do reino de Kaushambi (ou Kosambi) e que, por estar sempre reverenciando o Buda, foi estimulado pelo rei a se tornar um monge. Já na vida monástica, por compaixão, costumava alimentar os tigres da redondeza e estimulava os outros monges a que também o fizessem. Desta forma, os tigres, deixavam de representar uma ameaça. (Não confundi-lo com Maitreya, o Buda do Futuro).

17. Kanakabharadvaja (o Arhat erguendo a tigela): ao mendigar sempre erguia a sua tigela aceitando qualquer doação sem descriminá-la, conferindo assim méritos àquele que a fazia. Ele ensinava o Darma por meio de suas bondosas palavras e de suas ações altruísticas, tendo igual compaixão por todos. 

18. Kalika (o Arhat montando o elefante): antes de ingressar na vida monástica, Kalika tinha sido um adestrador de elefantes. No budismo, o elefante é símbolo da força que suporta as mais duras tarefas e da capacidade de percorrer longas distâncias, por isso, ele está associado ao vigor do Darma. Após ter se ordenado monge, Kalika alcançou o estado de Arhat.