Refugiar-se na Joia Tríplice
A expressão “Joia Tríplice” designa o Buda, o Darma e a Sanga. O Darma é o conjunto dos ensinamentos do Buda; Sanga é a comunidade budista. “Refugiar-se” significa aceitar publicamente o Buda como mestre, o Darma como seus ensinamentos e a Sanga como sua comunidade religiosa.
Ao nos refugiarmos na Joia Tríplice, tornamo-nos discípulos do Buda e assumimos o compromisso de não seguir os ensinamentos de religiões obscuras. A cerimônia do refúgio é extremamente importante, porque marca o início de nosso compromisso com o Buda, o Darma e a Sanga. Mesmo respeitando o budismo e frequentando templos budistas, o indivíduo que não se refugiar na Joia Tríplice pode se considerar apenas um simpatizante do budismo, mas não um budista.
Significado Profundo da Joia Tríplice
“Buddha” é uma palavra sânscrita que significa “iluminado”, alguém cuja iluminação abrange todas as verdades do universo. A iluminação do Buda apresenta dois aspectos fundamentais:
• O Buda é iluminado.
• O Buda, por seus ensinamentos, é capaz de ajudar na iluminação dos seres sencientes.
Existem incontáveis Budas residindo em inumeráveis mundos búdicos por todo o universo. O Buda do nosso mundo é o Buda Shakyamuni – é a ele que nos referimos quando dizemos “o” Buda. Ele é o sétimo Buda deste mundo; o próximo será o Buda Maitreya.
“Darma” é igualmente um termo sânscrito e tem vários significados. No nível mais elementar, diz respeito aos ensinamentos do Buda. Também abrange os ensinamentos escritos contidos no Tripitaka – a coleção oficialmente reconhecida (ou canônica) dos sutras e comentários budistas. Considera-se ainda que o Darma seja uma corporificação do Buda. O Darma é o que nos ensina a verdade e nos guia rumo à iluminação.
“Sanga” também vem do sânscrito e significa “comunidade harmônica”. Refugiando-nos na Sanga, integramo-nos na harmoniosa comunidade dos monges e monjas budistas.
O budismo foi a primeira religião a estabelecer comunidades monásticas no mundo. Os monges corporificam o Darma. Já que o Darma é tão vasto e rico, é muito importante para o budismo que a comunidade monástica seja saudável, respeitada e forte. Os monges protegem e preservam o Darma neste mundo. Sem uma comunidade monástica forte e dinâmica, o Darma poderia transformar-se com toda a facilidade em meras palavras nas páginas de um livro.
Na expressão “comunidade harmônica”, a palavra “harmônica” tem dois significados básicos. Primeiro, expressa que os monges e monjas estão em harmonia com os mesmos princípios racionais que levam à iluminação. Segundo, que em seu comportamento diário eles se comprometem a estar em harmonia com seis ideais:
Harmonia na visão significa que todos concordam em estar em harmonia quanto aos seus pensamentos, opiniões e ideais; harmonia na moral, que todos seguem os mesmos princípios morais e todos são iguais perante esses princípios; harmonia nos benefícios, que todos vivem da mesma maneira, sem privilégios; harmonia na postura, que todos vivem juntos em harmonia, sem violar a paz ou os direitos alheios; harmonia na fala, que todos são harmoniosos em sua fala e não se indispondo uns com os outros; harmonia na mente, que todos têm as mesmas metas e buscam formas harmoniosas de alcançá-las.
Seguindo os ideais acima, a Sanga dá exemplo de como o Darma deve ser praticado. É possível ser um bom budista sem ter muito contato com a comunidade monástica, mas é muito melhor ter ao menos algum contato com monges e monjas que dedicam sua vida aos ensinamentos do Buda.
O Darma é transmitido de uma geração de monges para a seguinte, em uma linhagem ininterrupta que pode ser traçada até o Buda. Este fundou sua comunidade baseando-a no princípio da transmissão direta do Darma de geração em geração. Quem hoje se denomina budista deve entender esse ponto e respeitá-lo totalmente, tanto quanto respeita os outros ensinamentos do Buda.
O Buda, o Darma, a Sanga
O Buda é o médico, o Darma é o remédio; a Sanga é o corpo de enfermeiros. Os três elementos são necessários para que os seres sencientes realmente se libertem dos males da ilusão. “Joia Tríplice”, que significa o Buda, o Darma e a Sanga, portanto, constitui uma metáfora que explica o valor e a importância de cada um desses três agentes de nossa libertação.
Assim como uma coleção de joias pode nos ajudar a conquistar qualquer coisa no mundo material, a Joia Tríplice nos possibilita alcançar a libertação no mundo além da matéria. O Tratado sobre a Suprema Natureza Preciosa diz: “a Joia Tríplice tem seis significados fundamentais que explicam por que ela deve ser respeitada”. São eles:
A Joia Tríplice é Rara. Assim como uma pessoa pobre encontraria dificuldade em obter uma joia material, todos deveríamos reconhecer que o Buda, o Darma e a Sanga são muito raros e constituem “posses” espirituais muito valiosas.
A Joia Tríplice não tem Imperfeições. Assim como uma pedra preciosa material só é considerada preciosa se não tiver defeitos, deve-se compreender que a Joia Tríplice não tem defeitos e encontra-se além de todas as impurezas.
A Joia Tríplice é Poderosa. Tal como uma pedra preciosa que tem o poder de eliminar nossa penúria material, a Joia Tríplice tem enorme poder de nos livrar de todo nosso sofrimento, quer material quer espiritual.
A Joia Tríplice é Magnífica. Assim como uma joia material constitui-se num magnífico adorno, a Joia Tríplice mostra-nos como encontrar a pureza e a beleza magníficas que existem no interior da mente.
A Joia Tríplice tem Inestimável Valor. Assim como uma pedra preciosa pode ser nosso mais valioso bem neste mundo, a Joia Tríplice é nosso mais precioso patrimônio espiritual.
A Joia Tríplice é Imutável. A natureza elementar do ouro não muda, seja qual for a forma em que seja moldado. A Joia Tríplice tampouco muda, independentemente da linguagem em que seja descrita ou do lugar onde seja reverenciada.
Significado Profundo do “Refugiar-se”
Refugiar-se na Joia Tríplice significa afastar-se publicamente dos valores e costumes do mundo material e buscar refúgio no Buda, no Darma e na Sanga.
Assim como as crianças confiam em seus pais como provedores de proteção e segurança, os budistas se comprometem a confiar na Joia Tríplice. O navegador ampara-se em sua bússola; similarmente, concordamos em nos amparar na Joia Tríplice. Da mesma forma como recorremos a uma fonte de luz para caminhar no escuro, comprometemo-nos a recorrer à Joia Tríplice. Ao nos refugiarmos, passamos a depender da Joia Tríplice, recebendo em troca proteção e segurança, na medida em que ela nos mostra o caminho rumo à perfeita libertação.
A Joia Tríplice é nosso lar, nossos pais, nosso porto seguro e abrigo. É o que nos mostra como chegar a ser tudo o que podemos ser. Os sutras budistas mencionam dez formas pelas quais, quando tomamos refúgio, a Joia Tríplice nos dá proteção:
• Tornamo-nos discípulos do mais grandioso mestre do universo, o Buda Shakyamuni;
• Nunca mais renasceremos em reinos inferiores (inferno, mundo dos espíritos famintos e mundo dos animais);
• Nosso caráter passa por significativa melhora – embora possam parecer superficiais inicialmente, as mudanças se tornam uma nossa parte verdadeira com o passar do tempo;
• Recebemos o amparo dos Protetores do Darma, seres poderosos de outros planos da existência que juraram proteger o Darma de qualquer um que tente destruí-lo. O Buda Shakyamuni disse que, nesta era, os Protetores do Darma acorreriam em auxílio de todos os seus discípulos que tomassem refúgio na Joia Tríplice;
• Recebemos as bênçãos dos Seres Celestiais e o respeito dos terrenos;
• Poderemos realizar muitas coisas boas – as bênçãos recebidas em consequência do refúgio amenizam os efeitos do nosso carma negativo. Isso, somado à confiança nos princípios do Darma, nos leva a conquistar muitas coisas boas na vida;
• Nossos méritos e virtudes são aumentados muitas vezes – o Sutra sobre a Avaliação do Mérito diz que o mérito que advém do refugiarmo-nos na Joia Tríplice é maior do que o obtido por meio de qualquer oferenda material;
• Temos a oportunidade de conhecer muitas pessoas boas por passar a fazer parte da comunidade budista mundial. Participar dessa comunidade é um grande bem, porque nossos companheiros budistas podem nos ajudar de várias maneiras;
• Lançamos as bases para o nosso futuro crescimento moral e espiritual. Não há melhor alicerce espiritual do que o refúgio na Joia Tríplice, que prepara o caminho para nosso crescimento moral subsequente;
• Temos a possibilidade de nos tornar Budas. Mesmo não praticando o Darma nesta vida e não fazendo nada além do refugiarmo-nos na Joia Tríplice, estaremos plantando as sementes da nossa iluminação.
O Processo do Refúgio na Joia Tríplice
O ato de refugiar-se na Joia Tríplice diz respeito fundamentalmente à natureza interior e brota das profundezas da mente. Por outro lado, o simbolismo exterior da cerimônia de refúgio proporciona condições adequadas para tornar nossa determinação interior, a mais firme possível.
Sempre que alguém se refugia na Joia Tríplice, seu comprometimento é visto pelo Buda, e neste momento, a pessoa inicia com ele uma relação permanente, na qual é possível se sentir totalmente amparada. Esse é o alicerce de todo o progresso subsequente rumo à iluminação. Poucos minutos são necessários para o refúgio na Joia Tríplice, mas esse pequeno investimento nos permite receber a infinita proteção do Buda, a qual permanece conosco ao longo de todas as vidas futuras.
Se utilizarmos um recipiente sujo para retirar água de uma fonte límpida, não teremos água limpa para beber. De igual forma, se nos refugiarmos na Joia Tríplice trazendo a mente cheia de dúvida, impureza e orgulho, não colheremos de nosso ato seus benefícios plenos. Por isso, o Sutra Mahanama (Sutra do Grande Nome) diz: “Todos que se refugiam na Joia Tríplice devem primeiramente purificar a mente por meio de atos de arrependimento. Então, com a mente pura e reverente, unir as palmas das mãos e ajoelhar-se diante do Buda, fazendo a seguinte promessa (repetindo-a três vezes): Eu [dizer seu nome], como discípulo do Buda, me refugio no Buda até que minha forma corporal seja extinta – o Buda é digno de meu respeito porque é virtuoso e sábio; me refugio no Darma até que minha forma corporal seja extinta – o Darma é digno de meu respeito porque nos ensina a subjugar todos os desejos; me refugio na Sanga até que minha forma corporal seja extinta – a Sanga é digna de meu respeito porque é o coração da comunidade budista”.
Refugiar-se na Joia Tríplice é o primeiro ato consciente e intencional rumo ao pleno despertar da mente iluminada. Por isso, é importante que essa cerimônia seja conduzida por um monge devidamente ordenado. De acordo com o Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria: “Quando estivermos prontos para nos refugiar na Joia Tríplice e preparados para praticar esses grandiosos ensinamentos, devemos ir tercom um monge, que explicará a diferença entre o bem e o mal, apontará como discernir o certo e o errado, estimulará em nós a afeição pelo bem e a aversão pelo mal e ampliará nossa mente. Então, recebemos o refúgio”.
Os votos que proferimos durante a cerimônia do refúgio servem para indicar claramente que estamos nos refugiando em cada um dos três aspectos da Joia Tríplice – o Buda, o Darma e a Sanga. Os votos são repetidos duas vezes durante a cerimônia, uma em seu início e outra em sua conclusão. A primeira vez é quando realmente recebemos o refúgio e nos tornamos parte da comunidade budista. A segunda vez é uma reafirmação da primeira e o encerramento da cerimônia.
Já a cerimônia é executada de acordo com os seguintes procedimentos: reverencia-se o Buda três vezes; o monge ou a monja que dirigirá a cerimônia será convidado e acolhido; cantam-se louvores enquanto se queima incenso; o Buda Shakyamuni é invocado três vezes; recita-se o Sutra Coração uma vez, jura-se lealdade ao Buda, ao Darma e à Sanga; manifesta-se arrependimento pelos erros do passado e faz-se o voto de superar a ilusão para o bem de todos os seres sencientes; recebe-se o refúgio no Buda, no Darma e na Sanga; ouvem-se as instruções do monge ou da monja que dirige a cerimônia; dedicam-se os mérito a todos os seres sencientes; agradece-se ao monge ou a monja; agradece-se a todos os outros membros da Sanga presentes.
Perguntas Frequentes sobre o Refúgio
Preciso me tornar vegetariano?
Não. A cerimônia do refúgio na Joia Tríplice demonstra apenas que aceitamos o Buda, o Darma e a Sanga como nossos guias espirituais. Não é necessário assumir nenhum outro compromisso nesse momento – a não ser o de não mudar nossa convicção religiosa daí em diante.
Depois de refugiar-me ainda posso mostrar respeito às divindades de outras religiões?
Sim. Aliás, é muito importante que os budistas sempre mostrem respeito pelas outras religiões. O ato de se refugiar na Joia Tríplice significa que aceitamos o Buda, o Darma e a Sanga como nossos guias espirituais e que nos comprometemos a não seguir os ensinamentos de religiões obscuras. Isso não quer dizer que não devamos mostrar respeito pelas crenças ou símbolos religiosos dos outros. De fato, expressar qualquer coisa que não o maior respeito por outras religiões contradiz fundamentalmente nossas próprias crenças. Apertamos a mão dos seguidores de outras fés e os respeitamos. Da mesma forma, devemos respeitar seus deuses e símbolos religiosos. Nossas crenças podem ser diferentes das deles, mas devemos ter por suas crenças o mesmo respeito que eles têm.
Refugiar-se na Joia Tríplice é um simples ato de momento?
Não. São necessários alguns minutos para o refúgio na Joia Tríplice. Contudo, esses minutos são o início de um compromisso para toda a vida. No coração e na mente devemos nos refugiar na Joia Tríplice todos os dias. De acordo com o Preceitos da Ioga (ou Preceitos de Bodisatva compilados no Sutra dos Preceitos de Bodisatva), um dia passado sem reafirmar nosso compromisso com a Joia Tríplice equivale a um dia em que tenhamos violado os preceitos da nossa moralidade. Ao reafirmar nosso compromisso todos os dias, estamos reafirmando nossa convicção e aprendendo a não esquecer a importância do que fizemos.
O Refugiar-se na Joia Tríplice implica em venerar os monges budistas?
Não. Refugiar-se implica respeitar os monges, tentar ajudá-los e aprender com eles. Não significa que devamos venerá-los.
Qual é o erro mais comum que alguém pode cometer depois de ter se refugiado na Joia Tríplice?
Provavelmente, o de respeitar apenas um aspecto da Joia Tríplice. Por exemplo, depois de se refugiar na Joia Tríplice, algumas pessoas respeitam somente o Buda, negligenciando o Darma e a Sanga. Outras respeitam apenas a Sanga, negligenciando o Buda e o Darma. Outro erro comum é respeitar apenas o monge ou a monja que lhes deu refúgio, quando o correto é mostrar respeito a todos os monges budistas, independentemente de suas afiliações.
Existem muitas formas de se entrar no caminho budista, não apenas uma. A que você escolhe depende de seus interesses e inclinações. Contudo, dois elementos devem estar presentes, qualquer que seja a forma escolhida: sinceridade e reverência.
Isso jamais mudará; será para sempre. Quem quiser avançar no caminho da iluminação precisa compreender esse ponto. Caso contrário, será como uma árvore sem raízes ou um pássaro sem asas. Se for assim, como pode esperar crescer ou voar?
Mestre Yinguang
Capítulo 7 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,
Escrituras Editora, 2ª edição revisada e ampliada, São Paulo, dezembro de 2011