Carma é um termo sânscrito que originalmente significava “ação”. O carma é a lei universal de causa e efeito que governa as ações intencionais. De acordo com ela, todos os atos intencionais produzem resultados, que mais cedo ou mais tarde serão sentidos por quem realizou a ação.
Boas ações produzem efeitos cármicos positivos, ao passo que os efeitos cármicos das más ações são negativos. Essa lei opera em vários níveis: assim como os indivíduos têm carma, também têm carma grupos e sociedades, países e até mesmo o planeta Terra como um todo, tem um carma que pertence a todos os seres sencientes que o habitam.
Aliás, para ser mais específico, não é exatamente correto dizer que algo ou alguém “tem” um carma, uma vez que o carma é uma lei. Entretanto, é mais fácil falar do assunto desse modo, evitando frases longas que seriam tecnicamente mais precisas. Dizendo que alguém “tem” um carma, queremos dizer que sua vida está condicionada pela lei do carma, isto é, que as circunstâncias presentes devem ser compreendidas como o resultado de seu comportamento passado.
O conceito de carma é fundamental em todas as escolas do budismo e em todas as interpretações do Darma. É impossível compreender o budismo sem entender esse conceito em sua totalidade. O Buda classificou o carma humano em três tipos:
Todas as ações intencionais do corpo, da fala e da mente geram resultados cármicos, que ocorrerão, inevitavelmente. Nem mesmo um Buda pode alterar a lei do carma.
Para a maioria das pessoas, o carma funciona por repetições cíclicas. Determinada ação proposital gera um determinado resultado cármico, ao qual a pessoa reage, o que leva a outro resultado cármico e assim sucessivamente. Desse modo, uma vida vai sendo construída conforme as reações da pessoa às condições que ela mesma cria. Reagindo ao próprio carma tantas e tantas vezes, vamos nos atolando na ilusão.
O Buda disse que o ciclo de nascimento e morte é uma ilusão à qual nos aferramos porque não conseguimos ver além dele. Ou seja, não sabemos como escapar desse ciclo porque não compreendemos seu funcionamento. Mais do que qualquer outra coisa, é a lei do carma que mantém os seres sencientes presos nesse ciclo. E, mais do que qualquer coisa, é a lei do carma, se for bem compreendida, que levará os seres sencientes a se libertar do ciclo de nascimento e morte.
Para os fins desta discussão, “mau” é aquilo que prejudica os seres sencientes, ao passo que “bom” é o que os auxilia. Más ações geram mau carma. Ações perversas produzem carma tão negativo que levam a pessoa a nascer em um dos três planos mais baixos da existência (os mundos do inferno, dos espíritos famintos e dos animais). O bom carma leva ao renascimento como ser humano ou celestial.
Carma é a força que “nos obriga a nascer, mesmo que não queiramos, e a morrer, mesmo que não queiramos”. Quando se fala do ciclo de nascimento e morte, é importante lembrar que não é “você” que vai e volta nesse ciclo, e sim o seu carma. A ilusão alimenta-se de si própria através da lei do carma.
A prática budista coloca muita ênfase nas boas ações, pois são as boas ações que, praticadas hoje, estabelecerão o alicerce de nossas vidas futuras. A maneira correta de compreender o carma é não se preocupar com o que se está recebendo hoje, mas com o que se está fazendo hoje.
O carma é como o vento. O bom carma sopra os seres sencientes para locais aprazíveis, onde experimentarão a alegria. O mau carma sopra os seres sencientes para lugares desagradáveis, onde experimentarão o sofrimento.
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Tipos de Carma
Em termos gerais, o carma pode ser classificado em três tipos básicos:
Sempre que uma intenção se forma na mente, estamos plantando uma semente de carma mental. As ações inspiradas por aquela intenção adicionam outras sementes à primeira.
Carma positivo, carma negativo e carma neutro
Nossas ações podem gerar carma positivo, negativo ou neutro. O carma positivo é gerado pelas ações cujo propósito é ajudar outros seres sencientes. O negativo é gerado pelos atos que têm por finalidade prejudicar os outros. O carma neutro é gerado por ações não intencionais. Somente um Buda não cria nenhum tipo de carma.
Carma determinante e carma detalhado
O carma determinante, também chamado de “carma básico”, é aquele que define se o ser nascerá como animal, como ser humano, como espírito faminto e assim por diante. O carma detalhado define o tipo de corpo que teremos, as circunstâncias da vida etc.
O carma determinante define o reino em que nasceremos, ao passo que o detalhado preenche as lacunas restantes. Por exemplo, o carma determinante leva alguém a nascer como ser humano, enquanto que, o carma detalhado estabelece o tipo de corpo, a nacionalidade e a família em que o ser vai nascer.
Carma compartilhado e carma individual
O carma compartilhado é aquele vivenciado por vários seres ao mesmo tempo. Por exemplo, todos nós que vivemos neste planeta temos a Terra como parte de nosso carma compartilhado. O país e a região onde vivemos é, também, parte do nosso carma compartilhado. As inundações ou terremotos que podem ocorrer em uma região são parte do carma compartilhado das pessoas que lá vivem.
O carma compartilhado pode ser visto de duas maneiras:
Por exemplo, caso uma área seja atingida por um terremoto, todos os seus habitantes são de alguma forma afetados pelo fato, sendo este um caso de “carma compartilhado por todos”. Entretanto, cada indivíduo naquela região será afetado pelo terremoto de forma diferente: alguns ficarão feridos; outros, não; alguns podem ter suas casas destruídas; outros, não. Este é o “carma não compartilhado por todos”.
O mesmo se aplica a um acidente automobilístico ou a qualquer outro evento que afete mais de uma pessoa. Em um acidente de carro, pode acontecer de uma pessoa morrer e outra sair andando, ilesa. O carma individual inclui nossos talentos, personalidade, tendências, reações características e tudo o mais que nos caracteriza como indivíduos.
Carma programado e carma não programado
O carma programado é aquele que acontece inevitavelmente em determinada hora e local e não pode ser evitado de forma nenhuma. O não programado é também inevitável; contudo, quando e onde acontecerá não está previamente determinado.
O poder do carma é incrível. Sua influência tem longo alcance. Quando os frutos da retribuição estiverem maduros, não há onde se esconder.
Vinaya (Coleção das Regras)
Os quatro tipos de carma
Esta classificação constitui outra forma de compreender o funcionamento do carma. Os quatro tipos, envolvendo as causas e os efeitos, são:
Carma escuro significa mau carma. Uma vez que esse tipo de carma só gera sofrimento (um mau resultado), ele é chamado de carma “escuro escuro”. O carma claro é o bom e como só gera resultados felizes (um bom resultado), é chamado de carma “claro claro”. Carma “escuro claro” é uma mistura de carma negativo e positivo gerando frutos híbridos (mau e bom). O carma “nem escuro nem claro” seria o carma neutro, que é o carma dos seres despertos ou iluminados, que transcenderam a dualidade de “mau e bom”, “escuro e claro” e, portanto, não mais produzem frutos positivos ou negativos. Seu carma é neutro: “nem claro nem escuro”.
O bom carma gera resultados felizes, ao passo que o mau carma gera resultados infelizes. O carma neutro produz resultados que não são felizes nem infelizes.
Shastra Satyasiddhi (Tratado sobre a Completude da Verdade)
A Ordem em que Chega o Carma
A relação entre causa, efeito e lei cármica é extremamente complexa e difícil de ser compreendida. Apesar disso, ela mostra uma ordem básica que pode ser entendida pelos seres humanos. É muito importante ter alguma compreensão a respeito dessa ordem básica, porque, sem isso, as pessoas, frequentemente, tendem a cair na crença de que o carma não existe. Sem uma ideia clara sobre a ordem em que o carma chega, é fácil ver “boas pessoas sofrendo morte penosa e pessoas más desfrutando condições muito agradáveis” e daí concluir que não há justiça no mundo e que algo como o carma não pode existir.
Na verdade, o carma chega em uma ordem mais ou menos definida, que podemos distinguir em três níveis: o primeiro nível é o do carma que é gerado nesta vida e chega nesta vida; o segundo é o do carma gerado nesta vida, mas chega na próxima; o terceiro é o carma gerado nesta vida que chega em alguma vida depois da próxima. Esses diferentes níveis podem ser comparados a diferentes tipos de plantas. Há sementes que, se plantadas na primavera, darão frutos no outono; outras podem demorar um ano ou mais para frutificar. Algumas árvores levam anos para dar fruto.
As razões pelas quais o carma pode chegar em diferentes vidas são duas:
As causas cármicas podem ser de geração lenta ou rápida, assim como há plantas que demoram muito ou pouco para frutificar. As condições podem ser fortes ou fracas, assim como o ambiente da semente. Se uma semente rápida receber boa luminosidade e água suficiente, crescerá muito depressa. Já uma semente lenta mantida no escuro talvez demore anos para brotar.
É por isso que muitas vezes vemos pessoas boas sofrerem horrivelmente. Nesta vida, elas têm sido boas, mas o carma de vidas passadas é forte e tem de frutificar. As causas que estão sendo plantadas hoje são extremamente importantes; contudo, ninguém consegue escapar de colher o que foi plantado no passado.
Da mesma forma, é comum ver pessoas más usufruindo os prazeres de uma vida bastante agradável. As sementes que estão plantando hoje lhes trará sofrimento no futuro; antes de chegar esse dia, porém, estão recebendo os resultados de boas ações que praticaram em uma vida passada.
O carma obedece a dois princípios fundamentais:
O bom carma gera resultados positivos, e o mau carma produz resultados negativos. Apesar de ser impossível transformar mau carma em bom carma, é importante compreender que seus efeitos podem ser diluídos. Se praticarmos boas ações em grande quantidade, seus efeitos vão diluir nosso mau carma, tornando-o mais suportável. Assim como a água salgada pode ser diluída com água-doce para que seu sabor fique mais palatável, os efeitos do mau carma podem ser atenuados adicionando-se a ele os efeitos de muitas boas ações praticadas.
Discutimos alguns aspectos básicos da lei do carma. Além deles, outros três fatores determinam a ordem e o rumo do carma:
O carma muito sério, bom ou mau, chega antes do menos sério. Nossos hábitos são como sulcos que determinam os rumos da nossa vida. Os hábitos adotados nesta vida exercem poderosa influência na definição do tipo e da qualidade da próxima vida.
Nossos pensamentos estão constantemente criando e recriando nossa vida. Os pensamentos levam a vida a fluir em diferentes direções em diferentes momentos. O mutante curso dos pensamentos às vezes se altera sem motivo. Somos como alguém que sai para dar uma volta a pé. Apesar de andarmos sem destino predeterminado, precisamos decidir que rumo tomar a cada esquina. O curso dos pensamentos pode ter uma influência sutil, mas ampla, na vida. Um simples pensamento pode nos levar ao inferno ou nos aproximar do Buda.
Princípios e Expressões do Carma
Se o Buda disse que todos os fenômenos são impermanentes, como pode o carma persistir ao longo de tantas vidas? Como pode ele ser chamado de lei inviolável? Para responder a essas perguntas, o Buda comparou o carma a sementes e também a costumes, ou características persistentes.
A semente de uma planta pode ser armazenada por muitos anos, mas brota e se transforma em planta, do mesmo tipo da anterior, assim que encontra as condições corretas. Da mesma forma, todos os nossos atos propositais produzem sementes que ficam armazenadasem nossa consciência. Tãologo se apresentem as condições adequadas, a semente brota e cresce.
O Buda disse que o carma é como o aroma, que continua no frasco mesmo depois de acabado o perfume. Do mesmo modo, persistem os hábitos, as tendências e o carma de uma vida, até a próxima vida.
Em suma, pode-se dizer que são três os aspectos mais fundamentais do carma:
Onde quer que venhamos a nascer, dentre os seis reinos da existência – que são o mundo dos deuses (devas), o mundo dos semideuses (ashuras), o mundo dos seres humanos, o mundo dos espíritos famintos, o mundo dos animais e o dos seres do inferno –, nosso carma sempre nos acompanhará. Nós mesmos criamos nosso carma, e é impossível evitar os efeitos das causas que colocamos em movimento.
O carma é uma lei natural, e não algo administrado por deuses ou demônios. A flecha, uma vez atirada, não pode ser trazida de volta ao arco. Ao agirmos intencionalmente, colocamos em ação forças que não mais podem ser canceladas. Um dia, os resultados dessas ações voltarão com o mesmo caráter e a mesma intensidade.
Uma vez compreendida a verdadeira natureza do carma, estamos em posição de utilizar essa poderosa força a nosso favor. O carma é uma lei. Não somos vítimas dela, assim como não somos vítimas da lei da gravidade. O objetivo do carma não é nos punir. Trata-se apenas de uma lei. Com essa compreensão, não há por que temer o carma; devemos, sim, cuidar de nossos atos intencionais, sabendo que eles são as causas de nossas condições futuras.
Todos os seres sencientes são iguais perante a lei do carma
Cada um de nós recebe apenas aquilo que deu. Se esses aspectos estiverem claros, deve estar óbvio que nossas maiores esperanças estão no funcionamento do carma. Até mesmo um Buda é moldado de acordo com a lei do carma. Boas intenções nos levarão rumo à budeidade, ao passo que más intenções nos afundam, mais profundamente, na ilusão.
O Buda sabe que todos os seres sencientes têm muitos desejos E sabe que todos estão profundamente a estes, apegados.
Assim, move-se com eles e lhes explica o Darma, Utilizando muitos métodos diferentes, muitas palavras diferentes e muitas metáforas diferentes.
Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)
Observações sobre “Bem” e “Mal”
No budismo, as palavras “mal” e “mau” denotam aquilo que prejudica os seres sencientes. “Bem” e “bom” é aquilo que lhes oferece auxílio e benefício. Mau e mal são, por definição, o oposto de bom e bem. O mal é aquilo que causa sofrimento. Má ação é qualquer ato que se oponha ao Darma, prejudique um ser senciente, seja inspirado por um dos três venenos – cobiça, raiva e ignorância – ou que fira um santo.
“Bondade” abrange aquilo que auxilia os seres sencientes e está em perfeita concordância com o Darma. As boas ações são sempre inspiradas pela bondade intrínseca da pura natureza búdica interior.
Na China, os budistas da escola Tiantai reconhecem seis tipos de bondade:
Uma breve análise dessas seis distinções pode ajudar-nos a perceber melhor como a palavra “bom” deve ser compreendida no contexto do budismo.
Bondade celestial que leva a más consequências. Uma pessoa que observe os Cinco Preceitos e pratique boas ações nesta vida, mas principalmente para benefício próprio, renasce no paraíso. Sua vida lá será longa e agradável, mas seu bom carma se esgotará, e um dia ela poderá renascer em um dos três planos inferiores.
Bondade inferior do Caminho Hinaiana. Este segundo tipo de bondade refere-se a práticas budistas que consideram a libertação individual mais importante que a dos outros seres sencientes. Essa trilha leva à libertação da ilusão, mas, já que não serve aos demais, é uma bondade inferior.
Bondade inferior do bodisatva inferior. Trata-se da bondade daquele que tem compaixão pelos outros e tenta ajudá-los, mas não consegue superar suas próprias impurezas. Pessoas assim podem causar mais mal do que bem.
Bondade inferior do bodisatva avançado. Aqui, incluem-se as ações daqueles que superaram a maioria de suas imperfeições, mas ainda permanecem iludidos com alguns aspectos da dualidade. Pessoas assim não conseguem valorizar a qualidade do caminho do meio seguido por não budistas e, portanto, ainda são afligidos por um considerável grau de ignorância.
Bondade inferior de bodisatvas não budistas. Este, que é o quinto tipo de bondade, diz respeito às pessoas que reconhecem a importância de ajudar os outros, mas ainda não compreendem os ensinamentos do Buda em sua totalidade. Portanto, apesar de serem boas, ainda cometem erros.
Bondade do bodisatva budista plenamente desperto. Essa é a bondade dos que compreendem as verdades dos ensinamentos do Buda em sua totalidade e agem com base nelas em todas as circunstâncias. Alcançar esse estágio de iluminação é denominado “bem”. Aferrar-se a esse estado ou abandoná-lo é chamado “mal”.
Era uma vez um homem que estava caminhando e ficou com sede. Ele viu uma fonte brotando junto a um tronco, curvou-se e bebeu até ficar saciado. Depois de matar a sede, levantou a mão e disse para a fonte: “Já estou satisfeito, pode parar de fluir”. A fonte, é claro, não deu ouvidos àquelas palavras e continuou a fluir como antes. O homem zangou-se e repetiu: “Já disse que terminei de beber e que você pode parar de fluir. Por que continua a fluir?”
Uma pessoa que estava perto assistiu à cena e disse: “Você é mesmo um tolo. Por que fica mandando a água parar de fluir? Por que não vai embora?”.
Neste mundo, as pessoas comuns são como o tolo da história. Bebem os desejos dos sentidos até a saciedade e, quando se cansam, dizem: “Basta! Mundo dos sentidos, por favor, vá embora. Já me fartei!” O mundo dos sentidos, é claro, nunca lhes dá ouvidos e simplesmente continua a fluir, enquanto as pessoas reagem reclamando: “Eu lhe disse para ir embora! Por que você fica me seguindo o tempo todo? Cansei de você!”
Diante disso, o sábio comentaria: “Se você quer que suas paixões cessem, é você que deve abandoná-las, pois elas nunca tomarão essa iniciativa. Quando você tiver aprendido a não se apegar aos sentidos, suas ilusões diminuirão e você encontrará a libertação de todos os seus desejos tolos”.
A maioria das pessoas não ouve tais conselhos. Pelo contrário, permanece agindo como o homem da nossa história: farto de beber, manda a água parar de fluir.
Sutra das Cem Parábolas
Capítulo 3 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,
Escrituras Editora, 2ª edição revisada e ampliada, São Paulo, dezembro de 2011.